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Deus e o Diabo na Terra do Sol vai fazer parte da coleção da Criterion a partir de julho. Os extras incluem documentários sobre o filme e sobre o cangaço.

Histórias de fantasmas

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Os filmes de Andrew Haigh são repletos de ausências, de pessoas que não fazem mais parte da vida dos personagens que acompanhamos. Por todas as cenas de 45 Anos, Kate percebe o quanto o “fantasma” da ex-namorada de seu marido assombrou sua vida, décadas depois de sua partida. O clímax de Weekend acontece quando Russell consegue falar para Glen algo que ele queria muito falar para seus pais, que nunca conheceu; e o último segundo de Charley em A Rota Selvagem é com ele finalmente olhando para trás, se deparando com o luto que ele fugiu no filme inteiro — tanto da morte de seu pai quanto de seu amigo.

Então parece natural que Andrew Haigh finalmente tenha feito uma história de fantasma no seu belíssimo Todos Nós Desconhecidos, em que um roteirista começa a visitar a casa em que cresceu e acaba encontrando nela seus pais, mortos em um acidente de trânsito quando ele tinha doze anos. Não surpreende, inclusive, a naturalidade com que Haigh filma esses encontros — a estranheza não está na forma, mas na falta de jeito que um filho adulto tem de falar com seus pais depois de um longo período de tempo. Os fantasmas finalmente dominaram o cinema de um diretor fascinado pela influência deles em seus personagens.

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Eu ainda estou feliz que Tudo em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo levou o Oscar de Melhor Filme

(Uma apreciação com um ano de atraso).

Cena de “Tudo em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo”: uma pedra com olhinhos adesivados no alto de um cânion.ALT

No início de 2022 eu recebi uma mensagem de um amigo que mora em Los Angeles, Joseph, me recomendando um filme. Eu sabia que Joseph estava trabalhando como assistente em um filme para a A24, e ele me explicou que tinha acabado de sair de um corte de trabalho dele. Eu fiquei bem contente com a notícia — meu amigo estava feliz com o trabalho que ele fez! —, até que ele me explicou que o projeto, a nova produção dos Daniels, seria o filme do ano: a história de uma mulher que atravessa todas as realidades paralelas do multiverso para salvar a filha de uma depressão que, ao que tudo indica, ela ajudou a acarretar. Joseph acompanhou a recomendação com um aviso: eu devia tentar ir no cinema, e assistí-lo com o maior número de amigos que eu conseguisse.

No início, eu achei que isso era uma estratégia de marketing — meu amigo estava me pedindo para levar mais gente para fazer minha parte em melhorar a bilheteria de um filme em que ele fez parte — mas foi só ver Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo que eu entendi o que ele queria dizer. O novo filme dos Daniels era um evento, e grande parte da diversão de acompanhar eventos assim é testemunhar a exaltação que ele provoca em sua plateia. E Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo não decepcionou. Quando eu vi ele com uma amiga durante uma viagem para Curitiba, o cinema estava cheio em uma sessão no meio da tarde de um dia de semana, e as reações da plateia eram imensas: pessoas se levantavam da cadeira para conseguir rir com mais força, e outras choravam sonoramente no final do segundo ato. É um filme vertiginoso, sem medo nenhum de explorar sua criatividade imensa que a história propõe com técnica de sobra — lutas de kung-fu (!), realidades paralelas em que a humanidade possui uma forma física diferente (!!), diálogos metafísicos entre piñatas (!!!!!!!!). Joseph tinha toda a razão.

A trajetória de Tudo em Todo Lugar foi meteórica. Embora não tenha sido o arrasa-quarteirões na bilheteria como Joseph previu, o filme cresceu organicamente tanto com críticas quanto com o boca-a-boca até que venceu grande parte das premiações de cinema americano no início de 2023. Como grande parte dos filmes com uma carreira semelhante, as pessoas que não concordam com os méritos dele ficaram mais audíveis, com críticas de que o filme não é tão profundo assim, ou que a forma como lida com a natureza da relação entre a protagonista e sua filha não tem muitas nuances. Um filme com tantos problemas como esse, em um ano em que um filme adulto e maduro como Tár, uma jornada íntima pela memória de um dos maiores diretores como Os Fabelmans, ou uma fábula implacável e precisa como Os Banshees de Inisherin concorriam seria mais uma prova da incapacidade da academia de cinema americana de reconhecer um grande filme quando vê um.

Porém… aqui vai o meu argumento, às vésperas de uma edição que com certeza vai deixar escapar o melhor filme (Segredos de um Escândalo) ou o filme do ano (Barbie), de que o prêmio de Melhor Filme para Tudo em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo é uma das raras circunstâncias do Oscar ter acertado. Eu não concordo que ele seja o melhor filme da lista de indicados (esse mérito fica para Tár, na minha opinião), mas tem vezes que o grande reconhecimento da noite precisa ir pro filme que captura uma geração. Não reconhecer o que Tudo em Todo o Lugar faz seria cometer o mesmo erro que o Oscar cometeu em 2000, quando deu o prêmio a Beleza Americana e deixou Matrix, o evento cinematográfico do ano, e de uma geração, sem sequer uma indicação a Melhor Filme.

Cena de “Matrix”: um plano fechado do rosto de Morpheus, com o reflexo de Neo, do outro lado da mesa, refletido em seus óculos escuros.ALT

A comparação com Matrix não é em vão. Tanto o clássico das Wachowskis quanto o filme dos Daniels têm semelhanças — a influência dos filmes de kung-fu e um apreço pelo cinema de Hong-Kong; questionamentos sobre a interpretação humana sobre o tecido do espaço-tempo que usamos para decifrar o que é “realidade”, e o que faz o “eu” e a nossa ideia de “identidade”; um interesse genuíno em usar efeitos especiais de maneiras inventivas. Mas eles também são filmes que conseguem capturar com perfeição o tempo em que são feitos.

Matrix previu, com muita precisão, a forma como a internet mudaria nossa percepção de nós mesmos e a “ameaça” que algoritmos causariam na nossa sociedade. Com Tudo em Todo o Lugar, os Daniels conseguem capturar a amargura inter-geracional que resulta na ansiedade e depressão que assolam as gerações mais novas, um misto de decepções e medos alimentados tanto pela ideia de não sermos quem queremos ser, quanto pela ideia de tudo o que poderíamos ser se algo tivesse sido diferente.

Eventos cinematográficos assim, que atingem um grande público de uma maneira acessível sem abrir mão da realização estética, são cada vez mais raros. Eles já eram anormalidades quando Matrix foi lançado em 1999, e se tornaram ainda mais únicos depois de uma década em que os grandes estúdios estado-unidenses aperfeiçoaram suas franquias até as tornarem grandes veículos automáticos com suas fórmulas precisas e sem inspiração. É claro que Tudo em Todo o Lugar não corta tão profundamente quanto a dissecação provocada por Tár, mas ele nem precisa fazer isso para revelar a humanidade de suas personagens. A exaltação divertida e inventiva de todas as possibilidades nos faz entender quem elas são, mas é na compreensão de que todos esses universos são vistos (por Evelyn e Joy) como uma frustração de cada ideia que não seguiu em frente ou de um sonho que não foi realizado, que os Daniels entregam, como as Wachowskis entregaram há mais de duas décadas, um misto de filme de ação com um questionamento genuíno sobre a vida que vivemos.

O Oscar vai falhar esse ano nessa missão: Barbie, um outro filme-evento que atingiu o público em massa sem abrir mão da visão de sua diretora, e eu tenho minhas dúvidas se o prêmio vai para os “melhores filmes” do ano, como o imenso Assassino da Lua das Flores, o precioso Vidas Passadas ou o inclassificável Segredos de um Escândalo. O Oscar tende a ficar no meio do caminho — alguém lembra quando ele tinha a opção de premiar um evento como A Rede Social mas escolheu O Discurso do Rei; quando não teve coragem de premiar um filme de ação como Estrada da Fúria para premiar um filme insosso como O Regresso; ou quando deixou Pantera Negra e Roma de lado para premiar Green Book? Raramente o prêmio principal me agrada, e não necessariamente porque ele não se alinha com o melhor filme do ano na minha opinião (eles raramente são sequer indicados), mas porque ele costuma ser covarde demais para reconhecer quando o filme do ano também se dá o luxo de ser bobo e bagunçado e confuso e estranho. Ano passado, como meu amigo Joseph um ano antes, a academia finalmente acertou.

(Eu sei que esse post tá com um ano de atraso, mas o meu bloqueio na escrita finalmente parece ter acabado!)

“Seen”

Seen é um curta-metragem bem melancólico, mas delicado sobre uma garota tentando reconectar com um velho amigo. Por Tae Young.

Aprendendo a dançar como David Byrne com David Byrne

Muito obrigado a David Byrne por esses dois tutoriais sobre como dançar como David Byrne, um dos meus sonhos foi realizado.

Deixa eu começar os posts desse ano com uma dica rápida de música. Parte da trilha-sonora de Tears of the Kingdom, o tema do céu (longa história) é esparso e transmite muito bem o que é passar horas brincando sozinho no meio do campo (longa história também, mas eu vivi isso). É uma lembrança que eu não estava esperando quando joguei o novo Zelda, mas foi muito bem vinda — e traduz um bocado o que é a experiência de jogar ele.

As cinco melhores coisas de 2023

Link, de "The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom" conduz Mollie, de "Assassinos da Lua das Flores", no carro da Barbie. "2023" pode ser visto ao fundo.ALT

Duas coisas que percebi fazendo a lista de fim de ano do Pão em 2023:

  1. Minha dieta cultural esse ano foi bem rala. Um pouco culpa do trabalho. Um pouco culpa de Eventos Acontecendo Em Minha Vida (contas).
  2. Eu desaprendi a escrever. Meu maior norte (conte o que acontece, não o que faz) ao escrever minhas resenhas não acontece nas cápsulas a seguir. Me desculpem, eu estou destreinado.

Eu escrevi pouco em 2023. E escrevi menos ainda sobre cultura em 2023. Não é culpa do que eu vi, joguei, li, ouvi, cliquei, etc. Escrever é terapêutico pra mim, mas muito desse último ano eu me descuidei da minha saúde mental, de desvendar o que eu estou sentindo. Eu também fui perdendo, aos poucos, a vontade de falar o que eu estou sentindo ou o que eu experimentei. É algo que eu quero mudar em 2024, e espero que meus queridos leitores, fieis escudeiros, estejam dispostos — eu estou empolgado para uma penca de filmes que vão estrear nos próximos três meses! Espero que estejam preparados para minhas péssimas opiniões!!

Enfim… não foi um ano ruim. Eu consegui realizar meu plano de assistir filmes majoritariamente no cinema, por exemplo. E de jogar quase todos os jogos que eu quis jogar. Eu tive tempo, e eu tive disposição. Mas eu não sei o que houve, mas na maioria das vezes eu não tinha palavras pra descrever o que eu sentia. É pura falta de prática. Como corrida, que eu também parei na segunda parte desse ano, eu só preciso exercitar um pouquinho mais pro ritmo das ideias voltarem. Eu só preciso me organizar. Eu planejo me organizar. Só essa semana eu escrevi bem mais que meses inteiros nesse último ano! Eu tô empolgado por 2024. Vocês acreditam que o blog vai fazer onze anos? Foi nessa idade que eu aprendi a ler!

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Origem, o novo filme de Ava DuVernay

Eu não acompanhei muito o circuito de festivais de cinema desse ano, então não fazia ideia de que Ava DuVernay tinha um novo filme estreando esse ano. Bilge Elbiri, da Vulture, amou, mas disse que sua estrutura fragmentada não vai funcionar com todo mundo. Mas eu amo filmes-ensaio fragmentados (como Sans Soleil e Cameraperson), então minha empolgação foi lá pra cima. Ajuda que a prévia é excelente.

Origem ainda não tem previsão de lançamento no Brasil. Ele está fazendo o circuito limitado nos EUA agora, para poder concorrer a alguns Oscares, mas será lançado por lá em 19 de janeiro.

Big Walk é o novo jogo da House House, desenvolvedora do ótimo Untitled Goose Game, aquele charme de jogo em que você controlava (?) um ganso causando o caos em uma pequena cidade no interior do Reino Unido.

Big Walk parece ser diferente, mas tem o mesmo espírito do jogo anterior. É um mundo aberto de exploração e passatempos para se jogar com seus amigos, em que você controla uma espécie de smilinguido. É um “walker-talker”, como descreve a House House: um jogo para caminhar e conversar (e, as vezes, atirar seus amigos no mar). A previsão de lançamento é em 2025, o que o torna o segundo jogo mais esperado daquele ano.

Um ranking de todos os Super Mario

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Durante a maior parte de 2017, ninguém suspeitava que algum outro jogo ia conseguir destronar Breath of the Wild dos prêmios de melhor jogo do ano. Foi o GOTY mais rápido e mais unânime que eu já vi: logo na semana do lançamento, no início de março, parecia que não importava o que fosse lançado, nada seria do tamanho do último Zelda. Até que outubro chegou e com ele veio o outro jogo que a Nintendo tinha preparado para o primeiro ano do seu novo videogame, Super Mario Odyssey chegou e as listas de final de ano indicavam que a Nintendo não tinha só um GOTY na manga. Se algum jogo fosse destronar um clássico instantâneo da Nintendo, só mesmo o próprio Mario.

Durante os meses seguintes ao lançamento de Odyssey eu não largava o jogo de jeito nenhum. Eu já tinha atingido o lado escuro da lua (e o lado mais escuro da lua), e o novo jogo do Mario ainda não tinha clicado em mim. O que esse jogo faz de tão bom que as pessoas denominaram como o melhor jogo de plataforma do Mario desde Super Mario Bros. 3? Por que ele não tinha funcionado comigo?

Essas perguntas ficaram na minha cabeça nos últimos dois anos, e eu decidi respondê-las com o único jeito saudável. Para entender o que faz um bom Super Mario, eu precisava jogar todos eles. Pra entender o que Super Mario Odyssey tinha de tão bom, eu precisava jogar por todas as fases que o jogo referenciava. E, mais importante, pra compreender o que me faz um fã dos jogos Super Mario, eu precisava observar o que me leva a amar esses jogos, e talvez entender exatamente o que nunca me pareceu no lugar em Odyssey.

Então me acompanhe na minha jornada de três meses em que eu joguei todos os jogos de plataforma do Super Mario, que podem também ser considerados três meses de febre intensa em que eu nunca tive tanta raiva da imprecisão dos meus dedos enquanto um Bullet Bill me persegue enquanto eu cruzo um bosque cheio de Koopas e morro não porque o Bullet Bill me alcança ou porque eu errei um pulo e um Koopa acabou me pegando, mas porque eu fui tentar pegar uma moeda que eu nunca precisava em primeiro lugar e logo acima dela tinha a porra de um espinho e puta que pariu eu amo esses jogos demais.

Nota de atualização: esse post foi publicado originalmente em 14 de agosto de 2019, e foi atualizado em 28 de novembro de 2023 para incluir Bowser’s Fury e Super Mario Bros. Wonder.

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22. New Super Mario Bros. 2 (3DS, 2012)

Vamos deixar claro que nenhum jogo de plataforma do Mario é ruim. Essa é a franquia mais bem cuidada da Nintendo, e o padrão de qualidade é muito alto. Ainda assim, o aparato técnico e a criatividade que são dois elementos que elevam outros jogos da série à algo próximo da perfeição não salvam New Super Mario Bros. 2 da sensação de que esse jogo é apenas um cash grab. A própria temática do jogo parece um meta-comentário da Nintendo pra existência dele: Mario agora quer ficar (mais) rico, e a principal missão do jogo é você coletar o máximo de moedas possível.

Coletar moedas é um aspecto essencial dos jogos de plataforma do Mario, e em muitos é um dos desafios mais difíceis que existem para que jogadores mais experientes possam voltar em fases mais simples e encontrarem um novo nível de dificuldade que beira à insanidade emocional. NSMB2 coloca esse aspecto na frente e acaba por tirar todo o fator de replay que a franquia aperfeiçoou por décadas. Nos seus melhores momentos, NSMB2 é uma versão bem simplória de uma das melhores séries dos videogames; nos seus piores, é uma visão desesperadora da Nintendo de tentar conseguir um dinheiro rápido enquanto o Wii U afundava.

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21. Super Mario Land (Game Boy, 1989)

NSMB2 é o único jogo dessa lista que pode ser considerado desnecessário. Cada Super Mario apresenta algum novo aspecto do gênero de plataforma ou aprofunda uma mecânica até ela parecer completamente revolucionária. Super Mario Land, o primeiro jogo do gênero em um dispositivo portátil, não faz nada disso, mas apresenta o conceito básico da jogabilidade da franquia em uma nova escala. É um jogo curto com fases muito curtas, que parece ter sido pensado para ser jogado em intervalos de cinco minutos ou menos.

Super Mario Land só não é um jogo melhor porque é curto demais, mas ele também não tem grandes ideias para expandir como seus irmãos maiores fizeram. Então… isso também é algo bom? Ajuda que alguns níveis são tão bem fechadinhos que dá vontade de você se aperfeiçoar neles até conseguir terminá-los em 30 segundos. E isso é bem difícil de fazer.

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20. Super Mario Run (iOS/Android, 2016)

Geralmente os jogos do Mario apresentam uma mecânica de jogabilidade de uma forma simples, e vão gradualmente dificultando e reformulando ela conforme as fases seguintes. Quando você volta para uma fase anterior, você descobre que seu novo domínio dessa determinada mecânica possibilita descobrir passagens secretas com inimigos mais difíceis ou especiais.

No primeiro jogo de plataforma fora de um console da Nintendo, Super Mario Run pula por todo o período de adaptar seu jogador à uma mecânica, e vai direto ao ponto: em uma mistura única de endless runner com plataforma, SMR já começa demandando ao jogador a extrapolar a tela de toque do seu celular. É uma curva de aprendizado que a série nunca explorou com tanta força antes, e que demora para começar a recompensar o jogador. Eventualmente, Super Mario Run supera esses tropeços inicias e entrega uma experiência que é desafiadora mas divertida com um multiplayer simples, mas muitíssimo eficaz.

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19. Super Mario Bros.: The Lost Levels (Famicom, 1996)

Talvez a coisa que mais me impressionou jogando os Super Mario um atrás do outro por meses seguidos foi perceber como esses jogos aperfeiçoaram o balançeamento de jogabilidade. Super Mario sabe ensinar o seu jogador uma mecânica sem nunca pegá-lo pela mão, e então incentivá-lo a aperfeiçoar essas mecânicas com estágios cada vez mais desafiadores. Quando a franquia subverte uma regra é para ensinar algo ao jogador, e não para vencê-lo. É uma regra de confiança que a maioria dos Super Mario segue à risca.

Não é o que The Lost Levels faz. Lançado originalmente como a continuação direta do Super Mario Bros. original no Japão, e chegando no ocidente uma geração depois como parte do pacote Super Mario All-Stars, The Lost Levels é um jogo que subverte muitas das regras fundamentais do jogo anterior de Mario mais para aumentar a dificuldade do que para propôr uma nova maneira de jogar. Inimigos são empilhados ou escondidos, espinhos e buracos aparecem inesperadamente, e bugs infestam essa versão do jogo. Jogar The Lost Levels nem sempre é recompensador como os outros jogos são, mas é um dos títulos da série que envelhece muito bem graças aos glitches que permitem aos jogadores descobrirem todas as excelentes formas de quebrar o jogo.

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18. Super Mario Sunshine (GameCube, 2002)

Olhando agora, Super Mario Sunshine é o jogo perfeito para continuar o legado de Super Mario 64. Não teria um jeito mais Mario (e mais Nintendo Geração GameCube) do que levar os personagens para uma ilha paradisíaca e apresentar toda uma nova jogabilidade baseada no FLOOD, um instrumento que serve como veículo/arma de Mario, que precisa limpar as manchas de petróleo da Ilha Delfino.

Sunshine é perfeito também por dificultar a comparação com Super Mario 64. Se o jogo anterior reintroduzia todos os conceitos de Mario para uma dimensão nova, o Mario do GameCube não tem uma missão tão importante. Ele é mais uma prova de que a execução de 64 foi tão impecável que muito pouco precisou ser aperfeiçoado em termos de jogabilidade — e o FLOOD, a grande novidade, é mais um artifício para impressionar com uma ou outra invenção bacana, mas nada que a franquia fosse herdar.

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17. Super Mario Land 2: 6 Golden Coins (Game Boy, 1992)

A simplicidade de Mario Land é uma qualidade e um problema para o primeiro Mario portátil, mas Super Mario Land 2 encontrou o ponto ideal entre um jogo mais breve mas que parece um Super Mario: os estágios mais curtos se transformam em experimentos únicos em que os desenvolvedores permitem apresentar uma mecânica diferente de cada vez, e remixando-as com os bonés que dão ao Mario seus superpoderes.

Essa experimentação se estica até o ponto que Land apresenta um vilão novo, uma versão ao contrário de Mario (Wario, que hoje em dia tem suas próprias aventuras) e uma jornada mais pessoal para o herói em um mundo que as vezes parece o oposto do Reino do Cogumelo. Land 2 é uma constante brincadeira, com seus visuais cartunescos e uma aparente simplicidade que está sempre surpreendendo por causa do seu fator de replay. É provavelmente tudo o que o Land original precisava ser.

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16. New Super Mario Bros. (DS, 2006)

New Super Mario Bros. foi o primeiro jogo do Mario em 2D em onze anos (desde Super Mario World 2: Yoshi’s Island em 1995). A linha de jogos do personagem para o Game Boy Advance foi uma série de remakes dos clássicos, e o Nintendo DS precisava de algo novo mas parecido para tomar o lugar do atual rei da empresa. E New Super Mario Bros. era exatamente isso.

NSMB segue à risca a fórmula de plataforma que os clássicos Super Mario Bros. 3 e Super Mario World definiram décadas antes e apresenta poucos elementos que adicionam à experiência — um cogumelo gigante e um pequenininho são os mais divertidos. Mas o visual novo e o uso inventivo das duas telas do DS fazem New Super Mario Bros. ser refrescante de jogar: é exatamente aquele Mario que a gente conhece e que tinha sumido por um tempo, mas está mais bonito e colorido. Como não amar?

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15. Super Mario Bros. 2 (NES, 1992)

De maneira semelhante a Super Mario World 2: Yoshi’s Island, a continuação americana para Super Mario Bros. (que no Japão recebeu o título de Super Mario USA) fundamenta as mecânicas de jogabilidade de vários personagens, como os pulos longos de Luigi, a velocidade de Toad ou o vestido que flutua da Peach. Hoje essas mecânicas são básicas e são exploradas de formas diferentes em cada jogo da franquia, mas em SMB2 elas brilham como fator central da jogabilidade.

Super Mario Bros. 2 ainda é uma continuação de um jogo muito maior, mas as mecânicas diferentes de seus personagens fazem com que os estágios sejam repletos de segredos muito específicos que só podem ser desbloqueados em condições específicas, o que faz o jogador querer voltar a esse jogo diversas vezes (algo que a Nintendo ia aperfeiçoar tanto nos jogos seguintes que foi um problema pra execução própria deste post!)

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14. Super Mario Odyssey (Switch, 2017)

É um problema fazer um ranking de jogos tão bons porque parece que eles não são tão bons assim. Mas acredite, mesmo estando em 12º nessa lista, Super Mario Odyssey é um dos melhores jogos dos últimos anos. É um jogo que expande Super Mario 64 mas que, diferente do que Sunshine faz, não o faz de formas superficiais. Odyssey leva Mario a vários outros reinos novos para poder expandir os limites criativos de um jogo do Mario para além dos conceitos que a série fundamentou nesses trinta anos.

Odyssey transforma Mario em sapos, árvores, estátuas e até mesmo em Goombas para apresentar todas as novas maneiras que os futuros jogos da franquia vão poder explorar mais a fundo. É um jogo imenso que está sempre apresentando uma mecânica nova em uma série de desafios tão bem concatenados um ao outro que é fácil de você achar que o jogo é curto, mas na verdade você está 17 horas sentado na frente do sofá (aconteceu).

Mas também, embora apresente tantas mecânicas novas e satisfaça até mesmo o mais experiente dos jogadores, que vai conseguir realizar os movimentos dificílimos que o jogo pede com sequências de botões surreais, Odyssey nunca leva todas essas mecânicas a um clímax onde elas se complementam da mesma forma que outros jogos da franquia conseguiam. Ao invés de dificultar, jogos como Mario 64 e Galaxy 2 brincam de reformular suas mecânicas somando umas às outras de maneiras inventivas que nos fazem repensar os fundamentos de Mario. Odyssey nunca vai a tal ponto, mas nos apresenta todas as novas brincadeiras que em breve vão ser elevadas dessa forma.

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13. New Super Mario Bros. U (Wii U, 2012)

Muitas vezes é difícil de ver porque um jogo do Mario é bom, como eu falhei com Odyssey antes. New Super Mario Bros. U não faz pouca coisa, e mesmo assim é fácil confundir ele com mais do mesmo. Mas é um jogo que está trabalhando incansavelmente em retribuir a habilidade do jogador com desafios à altura sem nunca desencentivá-lo. Considerando que o jogo faz isso tão frequentemente, é fácil esquecer o quão difícil é conseguir alcançar esse balanço delicado. Mas essa é a magia de Super Mario, fazer a perfeição da jogabilidade parecer ter sido feita naturalmente, tão naturalmente quanto pular de um barranco na cabeça de um Koopa, jogando o casco dele em uma fileira de Goombas e ganhando um 1-Up com isso.

É gratificante como poucas coisas nessa vida. E NSMBU faz isso em um jogo enorme, e na quarta potência (e ei, pra um jogo dessa década funcionar tão bem em um videogame já é um milagre, imagina num Wii U).

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12. Super Mario World 2: Yoshi’s Island (SNES, 1995)

Yoshi’s Island é uma continuação de um jogo quase perfeito, e não tem o fôlego de Super Mario World. E nem quer ter, porque é um experimento de Miyamoto em expandir o universo de Super Mario tanto em visual quanto em cânone. E em ambos os sentidos, Yoshi’s Island excede expectativas. É um jogo fantástico que impressiona até hoje, e que define muito do que a gente conhece do Yoshi.

Em World, Yoshi possui duas características principais: sua língua comprida e sua velocidade. É fácil esquecer que não é de SMW que o pulo flutuante e o carisma do Yoshi que são característicos do personagem. Yoshi’s Island apresenta esses detalhes através de uma mecânica de jogabilidade tão intensa e intrincada com seus visuais riquíssimos (o jogo faz o SNES suar) ao expandir as capacidades do dino que pode atirar ovinhos (!), mudar de forma (!!) e tem uma voz fofa pra caramba (!!!). É tão estranho a gente não lembrar tanto de Yoshi’s Island hoje em dia, porque muito do que consideramos fundamental da franquia foi apresentado aqui.

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11. Super Mario Bros. (NES, 1985)

Imagina como deve ser difícil você criar um personagem que o jogador possa confiar suas habilidades. Saber que quando você apertar o botão de pular com determinada intensidade, o personagem vai pular em determinada distância. Que, quando apertar o botão de correr, ele vai demorar tantos passos para impulsionar, e vai derrapar por mais tantos passos.

Por trás da aparente simplicidade de um jogo como Super Mario Bros. vive a exceção à regra que os jogos dessa série levam como cotidiano: a extrema perfeição de jogabilidade, de um game design calculado de tal maneira que retribui o jogador por aprender uma mecânica ou por aperfeiçoá-la. É tão difícil fazer isso, e é mais difícil fazer isso parecer tão natural como Super Mario Bros. faz ser. E ele ganha mais pontos pela sua simplicidade — é um jogo que pode ser vencido em menos de uma hora, porque essa perfeição natural se estende a cada elemento na tela em um tempo que era necessário calcular o quanto era possível colocar num cartucho. Cada bloco e cada pulo de Mario teve que ser calculado para esse jogo ser tão bom quanto pudesse ser. E hoje, mais de trinta anos depois, ainda é.

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10. Super Mario 3D World (Wii U, 2013)

Super Mario 3D World  expande as experiências de habilidades de personagens de Super Mario Bros. 2 com o multiplayer de New Super Mario Bros. Wii e o game design intrincado de Super Mario 3D Land. E mesmo assim ele consegue ser mais do que apenas um monte de experimentos juntos, porque ele próprio tem novas ideias para explorar.

3D World expande e preenche os mundos de 3D Land para dar mais espaço para os quatro jogadores poderem explorar os níveis com liberdade o suficiente, mas mesmo assim o jogo continua sendo baseado em cursos e todos precisam seguir até o poste que termina esses cursos. Mas ao invés de incentivar o caos como NSMBW, 3D World investe em permitir que os jogadores explorem esses cursos da forma que melhor suprir seus personagens. Ajuda também que o jogo retribui com uma pancada de itens (inclusive a novíssima roupinha de gato que meu deus) e uma beleza visual que dá inveja até mesmo no Odyssey.

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9. New Super Mario Bros. Wii (Wii, 2010)

Aqui vai um grande segredo: New Super Mario Bros. Wii não é um jogo do Super Mario. É um jogo com os personagens de Mario e parece um jogo de plataforma. Mas na verdade o que move ele é o mesmo preceito de Super Smash Bros.: completo caos.

NSMBWii pode ser jogado como um jogo singleplayer, mas isso honestamente é contra seu propósito: é um jogo com cenários espaçosos que está pronto para deixar os quatro personagens (Mario, Luigi e dois Toads) se destruirem enquanto decidem quem vai conseguir alcançar o poste no final dos cursos. Em certos momentos sequer importa que a câmera está mais distante dos personagens, é impossível ver qualquer coisa porque alguém explodiu um Koopa que bateu num POW e tudo se transformou em moeda e agora todo o mundo morreu em menos de três segundos.

Sério, é perfeito.

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8. Bowser’s Fury (Switch, 2021)

Talvez o jogo mais curto da série desde Super Mario Land, e divulgado como um “conteúdo bônus” para o relancamento de Super Mario 3D World no Nintendo Switch, Bowser’s Fury é o pequeno notável: o experimento que pode se transformar na fórmula de sucesso para o futuro dos Super Mario em 3D.

A mecânica é genial, e extrapola o conceito de “Mario em mundo-aberto” explorado nos reinos de Super Mario Odyssey. Em Bowser’s Fury, o vilão está dominado por uma substância que o tornou gigante e furioso, uma espécie de Godzilla mesmo, e Mario precisa enfrentá-lo de igual para igual, se transformando em um Mario-Gato super saiyajin. Para isso, você precisa coletar “sóis” que iluminam os farois do arquipélago de ilhas que você e Bowser Jr. se encontram, e é você que decide como vai fazer isso. Tem sóis por todos os lados, alguns mais difíceis que os outros, e praticamente qualquer um deles está disponível depois de você liberar o primeiro farol. Itens são intercambiáveis, e os desafios em plataforma são tão bem integrados com a exploração do mundo aberto, que parece um trabalho de relojoeiro, de tão preciso. Bowser’s Fury estabelece um parâmetro muito alto para os próximos Super Mario em 3D e de exploração livre, algo que vem muito de como os desenvolvedores dominam tão bem o legado de…

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7. Super Mario 64 (N64, 1996)

Super Mario 64 tem o peso da idade, sem dúvidas. Eu tenho a impressão que mecânicas em 3D tendem a envelhecer mais do que as em 2D, e mesmo que Mario 64 tenha feito tanta coisa tão bem, o fato é que suas plataformas são mais imprecisas do que deveriam, os seus movimentos são mais truncados e… bem, o jogo não é tão bonito quanto um dia a gente pensou ser.

Isso faz com que Super Mario 64 seja pior de jogar hoje em dia do que Ocarina of Time, por exemplo, que depende menos da mudança visual e mais do design dos dungeons. Mas quando Mario 64 pede para explorarmos seu game design lembramos porque o jogo nos vislumbrou nos anos 90: não só esse mundo do Mario é lindo mesmo quadriculado e com esses ângulos estranhos, mas ele está disposto a todo o momento em pegar algo que você conhecia da plataforma em 2D e dar literalmente uma dimensão nova enquanto explora uma forma de você experimentar ela através de um espaço novo (quando o jogo experimenta com profundidade vertical no mundo do relógio, lá no final, dá vontade de entrar na tela da TV e beijar seja lá quem foi esse game designer).

Ajuda muito que Mario 64 ainda é muito divertido de jogar: há um apreço pelos detalhes no jogo que estabeleu um nível muito alto para seus sucessores bater (e é compreensível porque Sunshine teve que se esticar do jeito que se esticou para ser inventivo). 64 brinca com a ênfase dos seus conceitos mais simples para revitaliza-los e prepará-los para toda uma nova geração. Considerando que demorou anos para que outros jogos alcançassem esse patamar, e mais ainda para superá-lo, é um legado imenso que o escopo de Mario 64 faz questão de nos lembrar — desde os controles de câmera até os pulos infinitos de Mario, tudo aqui parece novo a todo o momento, e ainda assim funciona do mesmo jeito que funcionava antes. É como mágica.

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6. Super Mario Galaxy (Wii, 2007)

Odyssey é um retorno do Mario à fórmula de 64 e Sunshine, em que Mario pode explorar livremente um amplo espaço aberto. Durante a geração do Wii, a Nintendo decidiu reconsiderar a forma que os jogadores abordavam esses espaços, criando delimitações com a câmera do jogo para direcionar os jogadores do ponto A ao ponto B de forma mais direta.

Se isso faz você imaginar que Super Mario Galaxy é um jogo que restringe a jogabilidade mais do que seus antecessores, não se engane. Galaxy usa essa delimitação da câmera para reconsiderar os espaços 3D que Super Mario 64 nos apresentou na década anterior. Levando em conta uma nova relação com a gravidade e a forma como Mario pode explorar mundos distintos, Galaxy extrapola os sentidos de direção do jogador fazendo plataformas mudarem de lugar ou transformando cursos de 3D em 2D e de volta em 3D de forma orgânica. O que é teto vira chão e planetas feitos por um oceano gigante apresentam essa nova relação de Mario com seus cenários com surpresas constantes e aquela sensação de estar conduzindo o único personagem que você pode confiar para explorar esses lugares com a precisão necessária.

Poucos jogos são tão perfeitos como Super Mario Galaxy, que tem o uso mais ideal do sensor de movimentos do Wii e explora o poder de processamento do videogame até o seu limite. É impressionante como a Nintendo conseguiu tirar visuais tão lindos e tão únicos de uma plataforma tào fraca, mas Galaxy faz isso 120 vezes seguidas.

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5. Super Mario 3D Land (3DS, 2011)

É comum ouvirmos que toda a vez que a Nintendo lança um videogame é preciso esperar pelo Super Mario para ver por que o videogame existe. E, honestamente, Super Mario 3D Land é basicamente o pretexto para que o 3DS exista. 3D Land é um exercício de criar níveis visualmente intrincados que mais parecem vindos de um The Legend of Zelda, com todos esses elementos que se conversam e que precisam ser explorados para que você possa seguir em frente.

É exatamente essa pequena revolução que torna 3D Land em um título como nenhum outro na franquia. Uma caixa bem escondida que só pode ser descoberta se você encontrar uma tocha e usar a Fire Flower nela esconde os níveis menores e permite que eles possam ser explorados de formas menos lineares.

3D Land também é lindo. Herdando a beleza visual de Galaxy, o jogo usa o poder gráfico do 3DS para entregar um dos mundos mais vívidos da franquia, cheio de cores, texturas e pesos. E tem uma pequena surpresa final, quando você enfrenta o Bowser e descobre que essa é só a primeira metade do jogo, apresentando depois ainda mais boas ideias para você explorar.

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4. Super Mario Bros. 3 (NES, 1990)

Super Mario Bros. elevou à perfeição a relação entre jogador e personagem. Mas é Super Mario Bros. 3 que elevou todo o resto do game design ao mesmo nível. Do mapa de mundos ao ritmo das fases, que possuem ênfases e climaxes, Super Mario Bros. 3 pega toda a ambição de game design da Nintendo e as une de uma forma compreensível, onde uma leva à outra até que as mecânicas se somam e se confundem, se transformando em um sistema complexo de labirintos e inimigos que funcionam exatamente do jeito que você espera, e ao mesmo tempo se tornam mais desafiadores conforme você vai tomando conhecimento de como eles agem.

SMB3 foi lançado já no fim da vida do NES, e por anos os consoles de 16 bits que o sucederam receberam inúmeros clones do jogo que não só deixavam claro como era difícil alcançar tamanha criatividade como a equipe de Miyamoto alcançou, mas também como a técnica estava muito a frente de seu tempo. Super Mario Bros. 3 ajustou praticamente todas as mecânicas do jogo, desde o tamanho do pulo do Mario à distância da câmera para suas medidas ideais. É uma tentativa de alcançar a perfeição que se transformou em um fantasma para a franquia, mas que nunca soou como um peso, e sim como um legado. É difícil conseguir fazer algo tão bem como Super Mario Bros. 3 fez com seu gênero. Mas chegar perto de algo assim já é bom o suficiente.

Coloque um controle na mão de uma pessoa ela aprenderá os conceitos mais básicos logo na primeira tela de forma quase instintiva. Super Mario Bros. 3 conversa com seu jogador de uma forma íntima e animal. Não é a toa que ainda é considerado o ápice da franquia e um dos melhores jogos de todos os tempos. Ele é. É só jogar para provar.

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3. Super Mario Bros. Wonder (Switch, 2023)

Não precisava ser tão bom assim. O retorno da Nintendo ao Super Mario em 2D, e o primeiro não sendo um New Super Mario em 17 anos, é um absurdo. Super Mario Bros. Wonder é um jogo tão repleto de ideias, que uma fase possui mecânicas que poderiam ser exploradas em jogos inteiros.

E Wonder, como os melhores Super Mario, não é sobre coesão. É sobre excesso. É um apanhado gigante de ideias e experimentos que se conversam de maneiras únicas, todas de maneiras imprevisíveis. Já em sua segunda fase, apresenta um musical de Plantas-Piranha, e a coisa só cresce exponencialmente a partir daí. E isso até metade de cada fase. A outra metade, influenciada pelas Flores Fenomenais, mudam absolutamente tudo, apresentando ainda mais ideias e experimentos.

Super Mario Bros. Wonder consegue o feito magnífico de apresentar Super Mario a você pela segunda vez. Ainda é, fundamentalmente, o mesmo jogo, a mesma fórmula, dos clássicos. Mas é tudo novo, de novo. Desde a apresentação visual, cuidadosamente reconstruída para se tornar em uma continuação espiritual de Super Mario Bros. 3 e Super Mario World, aos níveis repletos de segredos e caminhos intrincados, que remetem tanto ao Super Mario Bros. original quanto a World, tudo é pensado no menor detalhe, trazendo mudanças fundamentais que parecem heresia antes, mas são obviamente uma evolução necessária depois de experimentá-las (a retirada do timer nas fases, por exemplo, libera a exploração do jogador da urgência de finalizá-la, tornando toda a experiência muito mais rica e divertida). É um jogo cheio de vida, cheio de ideias, e cheio daquela magia que apaixonou o mundo pelos videogames nos anos 80 e 90. E está de volta agora.

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2. Super Mario Galaxy 2 (Wii, 2009)

No fim das contas, Super Mario são jogos de confiança. Você quer subir aquela colina em Super Mario Galaxy 2, que é difícil de subir onde a gravidade é um obstáculo a ser dominado, porque sabe que atrás dela os desenvolvedores te deixaram uma surpresa. Quando você finalmente consegue, e descobre o que é, é aquele misto de recompensa e confiança que uma boa relação possui — ambos estão investidos na mesma medida. O desenvolvedor sabia que você era capaz de chegar até lá, e você sabia que ele tinha deixado algo lá para você.

É difícil, como um desenvolvedor, criar essa confiança com a pessoa que vai interagir com o punhado de códigos que você coloca na frente dela. Seja na forma de um jogo ou de um editor de texto, essa relação depende de expectativas e desejos e, principalmente, de confiança. Galaxy 2 tem um legado imenso para defender — ele é o ápice criativo de uma equipe, e uma segunda chance dessa equipe de mostrar tudo o que é capaz de fazer. É um jogo que sequer consegue conter todo o conteúdo que foi desenvolvido para ele. É feito com uma diversidade de vozes e de experiências, e respeita todas elas. Você aprende a compreendê-las e a respeitá-las. Desde aquele pulo milimetricamente mais longo que você precisa dar para alcançar uma nuvem e pegar a centésima moeda, ou aquele estágio em que você não consegue ver o chão, mas já está tão acostumado com o ritmo daquela galáxia que você simplesmente sabe, instintivamente, onde tem que pular.

É algo que Galaxy já fazia, mas não com a mesma frequência ou intensidade. Galaxy 2 não só eleva tudo à enésima potência, mas também reapresenta o Yoshi na jogada, que revitaliza as mecânicas de Yoshi’s Island que há anos foram relegadas a spin-offs. Super Mario Galaxy queria dar a impressão que você atravessava um espaço sideral de fases do Super Mario, mas é Galaxy 2 que entrega essa promessa naquele que talvez seja o jogo 3D definitivo.

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1. Super Mario World (SNES, 1991)

É difícil perceber, hoje em dia, o pulo tecnológico que foi dado entre o NES e o SNES. Mas o dobro de poder de processamento é muita coisa. Seja de 8 para 16 ou de 512 para 1024. Mas é fácil de ver ele em execução: coloque Super Mario Bros. 3 e Super Mario World lado a lado e você vê que perfeição de game design não envelhece, mas com certeza melhora quando há mais para se jogar.

É na variedade, na constante surpresa, no escopo. Se SMB3 parecia espremido em um cartucho de NES com tanto conteúdo, Super Mario World parece se estender com tantas fases para explorar e tantos caminhos para desbravar. Se a mecânica já havia sido aperfeiçoada no jogo anterior, cabe a Mario World colocar ela à prova na exaustão em um jogo imenso que retribui os jogadores menos experientes com a sensação de estarem desbravando um jogo que constantemente pede mais de suas habilidades; e retribui os mais experientes com ainda mais fases para aprender e se aperfeiçoar.

Seu nível de qualidade é tão alto e tão constante que é difícil de absorvê-lo em uma só sessão como os outros jogos do Super Mario foram pensados antes dele. Explorando fases que são extensas e propositalmente cansativas, ou fases que desvirtuam completamente aquilo que o jogador espera de determinada mecânica, World está disposto a, de forma semelhante a Odyssey anos depois, extrapolar e apresentar o máximo possível de novas possibilidades para o jogador. Mas em World há uma clara progressão de jogabilidade — um ponto em que essas mecânicas convergem ou que trabalham para levar o jogador a uma experiência específica.

Seu mapa imenso e cheio de passagens secretas e caminhos alternativos liberta o jogador a experimentar o jogo da sua própria maneira, e o pulo tecnológico da Nintendo permite que seus desenvolvedores possam experimentar com novos modos de jogo em um jogo de plataforma. O que resulta é um jogo de aprendizado, troca, e descobertas constantes, onde Super Mario encontra um ápice criativo e nunca é desapontado pela sua plataforma (algo que é meio constante com os videogames da empresa). É um jogo que foi feito na hora certa para a plataforma certa, que expande aquilo que sabemos que pode ser um jogo do Super Mario para todo o dobro de poder de processamento. Algum jogo pode parecer ser maior e mais diverso e mais repleto de vida que Super Mario World?

Ah, e tem o Yoshi, que coloca tudo isso em dobro na sua frente. É só dar um soquinho na cabeça dele.

4.5 Bilhões de Anos em Uma Hora

Para celebrar 100 anos do canal, o Kurzgesagt fez um vídeo sobre a história do planeta terra. Cada segundo dos 60 minutos equivale a um milhão de anos.

O momento em que eu me apaixonei por The Bear

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Meu momento favorito de The Bear acontece no quarto episódio: Tina, uma das cozinheiras mais antigas do restaurante em que a primeira temporada da série se passa, precisa apresentar um purê novo para a avaliação da nova chefe, Sydney. Durante todo o episódio (e por parte dos episódios anteriores), Tina e Sydney se confrontaram. A novata quer implementar um novo sistema na cozinha do “The Beef”, e Tina não quer saber.

É o clássico setup de uma série de espaços de trabalho: uma pessoa nova quer mudar como as coisas funcionam, alguns colegas se adaptam bem, mas os mais experientes não aceitam a mudança, até perceberem que ela veio para o bem. O que torna esse momento incrível em The Bear é que ela une justamente o que faz a série ser brilhante pra mim: ela usa a brutalidade visual e do ambiente (a cozinha do “The Beef” não é saudável para a cabeça de ninguém) e vê dessa brutalidade sair algo muito humano e sensível.

Não só o purê que Tina precisa entregar é de uma delicadeza (quando ela prova o leite com ervas que Sydney preparou para ela é um detalhezinho brilhante de construção de personagem), mas a crueza estética de The Bear realça quando um breve momento de beleza acontece. Nesse caso, quando Tina leva o purê para Sydney provar, Sydney elogia o prato com um misto de surpresa e costume: sim, está gostoso, mas é claro que está gostoso — foi a Tina que fez, e ela é uma grande cozinheira. Em uma breve troca, The Bear aproxima essas personagens enquanto elas se nivelam.

The Bear sabe ser cruel. É uma série de momentos bastante cruéis em um ambiente cruel, mas é na beleza que essa crueza cria, de vez em quando, que mora tanto a genialidade da série quanto, eu acredito, a de uma cozinha. Tina errou o processo do purê várias vezes durante o episódio. Mas quando ela acertou, um breve momento em que duas grandes personagens finalmente se encontram no mesmo patamar acontece. The Bear não precisa chamar atenção para esse momento esteticamente. Já no quarto episódio de sua primeira temporada, a série já ensinou o espectador a saboreá-los.